terça-feira, julho 05, 2011

Artigo Científico: Você Sabia Que Apenas a PM-MA e PM-SE Ainda Usam O RDE?




Origem e Evolução Históricas dos Regulamentos Disciplinares Militares no Brasil e a Necessidade Inadiável das Policias Militares Apresentarem Regulamento Disciplinar Próprio.


Raimundo Salgado Freire Júnior *



RESUMO

O tema proposto pelo artigo nos remete a uma contextualização histórica da evolução das normas e regulamentos responsáveis pelo controle da conduta dos militares, perpassando pela origem das Policias Militares no Brasil imperial até chegar aos atuais códigos de ética e regulamentos disciplinares. Frisando-se a necessidade das corporações militares estaduais possuírem regulamentos disciplinares próprios, direcionados à sua realidade.


Palavras-chave: Regulamento. Disciplina. História. R.D.E. Ética. Código.


ABSTRACTY

The theme proposed by the article remind us of a historical context of the evolution of rules and regulations responsible for controlling the condut of the military, passing through the origin of the Imperial Military Police in Brazil until the current codes of ethics and disciplinary regulations. Stressing the need of the state military corporations having their own disciplinary regulations, directed to their reality.

Keywords: Regulation. Discipline. History. RDE. Etichs. Code.


1. INTRODUÇÃO

A finalidade do presente texto é elaborar uma contextualização histórica acerca dos documentos que originaram os primeiros regulamentos disciplinares militares, bem como sua evolução até chegar aos atuais códigos de ética e conduta adotados para nortear a conduta dos militares estaduais.

A metodologia utilizada foi uma extensa revisão de literatura alicerçada na análise e interpretação das informações constantes em livros, publicações especializadas, periódicos, e sítios de internet.

A justificativa que originou a escolha do tema surgiu a partir da necessidade de conscientização da importância de cada corporação militar estadual possuir regulamento disciplinar próprio, voltado à sua realidade, à sua missão constitucional de preservação da ordem pública, respeitando as peculiaridades e o contexto cultural de cada unidade da federação, considerando-se que o Regulamento Disciplinar do Exército – RDE foi feito para disciplinar os recrutas do Exército cuja missão é o preparo para a guerra, o combate ao inimigo, naturalmente tal regulamento não é adequado para disciplinar policiais militares cuja missão é o trato com o cidadão.

A delimitação cronológica desta pesquisa compreende o período de 1763-2011, ou seja, do ano em que entrou em vigor o Código de Lippe, base da legislação militar do império até os atuais códigos de ética pós Constituição de 1988.


2. DESENVOLVIMENTO

As origens das normas disciplinares e regulamentos disciplinares no Brasil remontam à época do surgimento das Organizações Militares. As Polícias Militares brasileiras têm sua origem nas Forças Policiais criadas durante o período do Brasil Imperial e que foram, em alguns casos, extintas ou fundidas a outras corporações policiais ostensivas durante o Regime Militar.

Em verdade na sua gênese funcionavam como as milícias dos Estados brasileiros, subordinadas aos Presidentes de Estado e, posteriormente, governadores, as quais recebiam várias denominações como, Brigada Policial, Brigada Militar, Força Pública, Polícia Militar, etc.



2.1 O Espartano Regulamento Disciplinar do Exército Português. 

Para DA SILVA (1982, p. 10) o regulamento de 1763, ou Regulamento do Conde de Lippe, base da legislação militar portuguesa e brasileira, a disciplina era mantida pelos castigos corporais que incluíam a imobilização em troncos de madeira, repreensões verbais e surras com espada de prancha. Os crimes eram julgados por um Conselho de Guerra e as penas cominadas eram as surras, prisão perpétua com correntes de ferro no tornozelo e a pena de morte.

Desta forma fica estabelecido que o primeiro regulamento disciplinar militar adotado no Brasil foi o Regulamento Disciplinar do Exército Português, intitulado “Artigos de Guerra”,  idealizado por Wilhelm Shaumburg Lippe, o famoso Conde de Lippe, nascido em 24 de janeiro de 1724, em Londres , na Inglaterra.

Duarte nos ensina que à época do período do Brasil Imperial as forças policiais eram regidas:


[...] pelo draconiano Regulamento Disciplinar do Conde de Lippe que previa punições rigorosas como chibatadas e pranchadas (golpes desferidos com a lateral da espada ou sabre) aos transgressores da disciplina. Em 1862, o Duque de Caxias conseguiu substituí-lo pelo Regulamento Correcional das Transgressões Disciplinares, origem do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE. (grifo nosso). [...] (DUARTE, 2001, p.34).




Silva (1982) nos esclarece que os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamção da República, foram restabelecidos no ano seguinte (1890), estando previstas:


[...] para as transgressões leves, a pena de prisão a ferros na solitária, por um período de um a cinco dias, a pão e água; para as transgressões leves repetidas, a pena de prisão a ferros na solitária, por um período de no mínimo seis dias, a pão e água; e para as transgressões graves a pena de no mínimo vinte e cinco chibatadas. (grifo nosso). [...] (SILVA, 1982, p.11 – 12).


2.2 A Revolução das Chibatas e o Surgimento do “Almirante Negro”


Roland (2000, p.25-26) nos esclarece que a revolta da chibata, ocorrida em 25 de novembro de 1910, na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, a época capital do Brasil, foi liderada pelo marinheiro João Cândido Felisberto, que ficou conhecido como “Almirante Negro”, foi uma reação à pena das chibatadas prevista no Regulamento Disciplinar da Marinha, não havia qualquer conotação política, o objetivo dos amotinados era apenas e tão somente a extinção dos castigos corporais e a melhoria das condições de vida e trabalho da categoria a bordo das embarcações da Armada.

Ainda segundo Roland (2000, p.25-26), quatro dias mais tarde o governo do Presidente Marechal Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28 de novembro, alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de "incoveniente à disciplina".



2.3 O Surgimento das Policiais Militares Estaduais


Conforme GOMES (2006) com a vinda da família real ao Brasil em 1808, Dom João VI criou no dia 13 de maio de 1809 a Divisão militar da Guarda Real de Polícia da Corte, baseado no modelo já existente em Lisboa, criado em 1801 que, por sua vez foi inspirado na “Gendarmerie” francesa criada por Napoleão Bonaparte. A Guarda Real de Polícia era organizada militarmente, foi o embrião da Polícia Militar do Rio de Janeiro, possuía amplos poderes para manter a ordem e estava subordinada ao Intendente-Geral de Polícia.

Com a independência do Brasil, em 1822, a Guarda Real de Polícia foi desarticulada e foram criadas as Guardas Municipais Provisórias. Estabelecida a Regência Trina foi criado mediante Lei, em 10 de outubro de 1831, o Corpo de Guardas Municipais Permanentes da Corte e autorizado que fosse feito o mesmo nas províncias.

Em alguns Estados as Polícias Militares foram criadas depois de ato de 1831, durante a regência una do padre Antonio Diogo Feijó, inclusa nesse contexto a Polícia Militar do Maranhão criada em 17 de junho de 1836. 

Para Sampaio (2001) A Lei de 10 de outubro de 1831 que assim se formou, estendo às províncias a instituição dos Guardas Municipais Permanentes, significa o documento básico das polícias militares estaduais.

A partir do regime militar instalado no Brasil (1964-1985), todas essas milícias estaduais foram padronizadas pela legislação. Seus respectivos comandos passaram a ser realizados por oficiais do Exército Brasileiro e suas respectivas designações foram padronizadas para o termo “Polícia Militar” e as transgressões disciplinares cometidas por policiais militares passaram a ser punidas sob a égide do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE.

Objetivando estabelecer rígido controle sobre as corporações policiais armadas, e evitar qualquer possibilidade de sublevação por parte das unidades federativas, o governo militar extinguiu as Guardas Civis e regulamentou as normas fiscalizadoras do Exército sobre as Polícias Militares. Atualmente, o Exército Brasileiro ainda realiza o supervisionamento de tais instituições por meio de seu órgão denominado IGPM - Inspetoria Geral das Polícias Militares.


2.3 Os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas Brasileiras

Os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas regulamentam as transgressões disciplinares e delimitam as sanções e o modo de aplicação de tais sanções.

O Regulamento Disciplinar da Marinha – RDMAR foi editado pelo Decreto nº 88.545, de 26 de junho de 1983, com alterações introduzidas através do Decreto nº 1.011, de 22 de dezembro de 1993.

O atual Regulamento Disciplinar do Exército – RDE foi baixado pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que revogou o Decreto nº 90.608 de 08 de dezembro de 1984.

Por sua vez, o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – RDAR foi instituído através do Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975 e jamais foi alterado ou revogado.

2.4 A Necessidade de um Regulamento Disciplinar Próprio


Um regulamento disciplinar ou código de condutas nada mais é que um conjunto de normas as quais se submetem os servidores de uma determinada instituição, são valores éticos e padrões de condutas estabelecidas para um grupo específico. Naturalmente o RDE foi produzido para nortear a conduta de um grupo social específico, qual seja os militares federais, formados e treinados para um contexto bélico, de combate ao inimigo, de defesa da soberania nacional.

Em contrapartida o policial militar é formado e preparado para lidar com conflitos urbanos, na lida diária com o cidadão, garantindo-lhe a preservação de seus direitos e garantias individuais, através de sua missão constitucional de preservação da ordem pública. É natural que o RDE não seja o regulamento mais adequado a policiais militares que são formados de modo diverso dos combatentes do Exército e que possuem um campo de atuação, uma missão constitucional também diversa dos nobres guerreiros de Caxias.

Com o passar do tempo e conseqüente evolução das Polícias Militares, surgiu a necessidade de normas de conduta mais condizentes com o fazer policial militar. Cada unidade federativa foi tratando de estabelecer seus próprios Regulamentos Disciplinares, à medida que cada Polícia Militar percebeu que necessitava de normas consoante à sua realidade, a seu cotidiano, diverso do cotidiano do Exército Brasileiro. Desta forma, o Regulamento Disciplinar do Exército foi aos poucos sendo substituído por normas disciplinares que correspondessem às expectativas da realidade social de cada Estado, de cada Corporação.

Atualmente apenas as Polícias Militares de dois Estados, Sergipe e Maranhão, ainda servem-se do Regulamento Disciplinar do Exército para disciplinar a conduta de suas tropas, todas as demais possuem Regulamentos Disciplinares próprios, os chamados RDPM’S, instrumentos reguladores da conduta dos integrantes das corporações policiais militares.


3. CONCLUSÕES


Fundamentado na análise realizada neste artigo, considerando a doutrina pertinente, considerando-se, ainda que apenas duas das vinte e sete unidades da federação são remanescentes na utilização do ultrapassado RDE, é indubitável que as Policias Militares do Maranhão e do Sergipe possuem em seus quadros policiais com gabarito para elaborar um projeto de proposta de Lei à Assembléia Legislativa com vistas à criação de uma Lei que crie um código de ética e conduta disciplinar adequado à realidade daquelas corporações.

Com a pesquisa bibliográfica realizada e interpretada pode-se afirmar que o RDE não convém ser aplicado às Policiais Militares, considerando que o Exército possui missão constitucional, formação curricular e cultura organizacional diferente das Policias Militares.

Dessa forma, evidencia-se a inadiável necessidade da criação de um regulamento disciplinar próprio, direcionado às demandas culturais, éticas e disciplinares de cada Unidade da Federação. Necessário se faz que se estabeleça um código capaz de prevenir e punir condutas incompatíveis com o padrão ético almejado pelo serviço público e que também ofereça ao servidor uma segurança, protegendo-o de acusações que se revelarem infundadas no percurso da apuração de suas transgressões.

Entretanto é importante notar, por fim, que a produção de uma nova Lei de conduta não se resuma a uma cópia melhorada ou adaptada do antigo RDE, forjado no calor da ditadura militar, de um Estado de Exceção. Que se elabore um regulamento disciplinar próprio, mas que tal documento não afronte a Lei Maior do Brasil e que oportunize ao cidadão militar estadual os direitos e garantias individuais os quais ele arrisca a vida diariamente para garanti-los aos demais cidadãos desse País.



REFERÊNCIAS





COMISSÃO DE PATRIMÔNIO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Guia de Museus Brasileiros. São Paulo: Edusp, 2000. 453-454 p.



BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001.


BRASIL. Decreto nº Decreto 4.346 de 26 de agosto de 2002. Aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá outras providências. Diário oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. 2002.


BRASIL. Decreto nº 88.545 de 26 de julho de 1983. Aprova o Regulamento Disciplinar para a Marinha e dá outras providências. Diário oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. 1983.


BRASIL. Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1975. Aprova o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica e dá outras providências. Diário oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. 1975.


FERREIRA, Fábio Leandro Rods. Inconstitucionalidade do Regulamento Disciplina da Polícia Militar do Rio Grande do Sul. Universo Jurídico. Disponível em: <www.universojurídico.com.br>. Acesso em 09 jun. 2011.



MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 154.


RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Regulamento Disciplinar e Suas Inconstitucionalidades. Disponível em: <www.jusnavigandis.com.br>. Acesso: em 09 jun. 2011.

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 14. ed. São Paulo: Cortez, 1986.



(*) Bacharel em Segurança Pública – UEMA

Graduado em Letras – UFMA

Especialização em Segurança Pública - PMRN

Capitão da PMMA

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