Quando a norte-americana Jenn Leyva tinha 16 anos, seu pai lhe disse, se ela perdesse peso, ganharia um carro de presente. Ela chorou, foi pro seu quarto, terminou a lição de casa, deixou a casa da família e hoje vive em Nova York, onde é ativista das mulheres acima do peso e estuda bioquímica para, entre as coisas, entender a composição das moléculas de gordura.
Também tem o Tumbrl Fat and the Ivy, onde relata suas dores e delícias por ter quilos a mais do que é considerado "normal" por nossa sociedade. Foi lá que achei o texto que reproduzo a seguir sobre a experiência de amar um corpo que todo mundo a ensinou a rejeitar. E um depoimento importante pela reflexão que traz. Confira e deixe sua opinião e comentários:
"Quando chega o dia da minha aula de balé, 30 minutos antes, o medo e o pavor tomam conta dos meus pensamentos. Isso acontece porque tenho que escolher minha roupa e , embora tenha um armário bem abastecido, nunca fico contente com o resultado. Gasto pelo menos 20 minutos vasculhando minhas gavetas em busca de uma roupa que não existe. Procuro algo bacana, que fique bem em mim, mas me dou por vencida e acabo sempre optando pelos shorts masculinos e e camisetas oversized.
Em seguida, começo a sentir medo de olhar meu corpo no espelho quando chegar à aula, ou de chegar me comparando a outras colegas. Penso em ficar na última fila, o mais longe possível dos espelhos. Quero evitar ser surpreendida pela visão da minha papada. Ou de minha barriga escapando da minha camiseta.
Nessa hora tenho que me lembrar que, sim, sou bonita e , mais importante, sou digna de estar ali naquela classe com as outras meninas. Lembrar que amo meu corpo e que posso sentir prazer em movê-lo. Que posso ter esse momento e encontrar a beleza em mim.
Eu detesto classificar esses problemas, (sim eu reconheço que eles são problemas) como uma questão de "imagem corporal". "Imagem corporal" não diz respeito exatamente à imagem dos corpos. Mas sobre as relações que temos com eles. É sobre como os olhamos, como eles se movem, como os sentimos e os tratamos.
Na maioria dos debates que presenciei sobre isso, percebo que todos culpam os meios de comunicação e a publicidade por exporem as meninas a padrões impossíveis de alcançar, e assim deturpar a tal "imagem corporal" que temos. Mais mais do que vender produtos, esses estímulos midiáticos levam as pessoas a terem hábitos poucos saudáveis: dietas loucas, alimentação desordenada, uso de remédio não confiáveis, cirurgias desnecessárias.
E, no entanto, muito desses hábitos já me foram recomendados por profissionais de saúde. Veja, não sou obesa mórbida, embora os quilos a mais me acompanhem desde criança. Quando eu tinha 08 anos um médico chegou a ter uma conversa séria com meus pais, para alertá-los que eu era "grande" demais para minha altura. Foi quando me deu uma lista com dez dicas para que eu começasse uma dieta.
Era para ter sido um gesto qualquer, sem grandes implicações, mas me tornei uma obcecada pela lista. Ali enxerguei meu corpo como uma "falha pessoal", e essa lista era a chance que eu tinha de me redimir. Passei a seguir à risca as orientações, e a partir daí minha adolescência se encheu de consultas médicas com todos os tipos de especialistas, dietas mirabolantes, choros escondidos. Os médicos tratavam meu corpo como se ele fosse uma doença, e acreditei neles. Eu acreditava que minha gordura corporal, significava que eu estava sobrando no mundo. Que era preguiçosa, desleixada, alguém em quem não devíamos confiar.Que, por isso, eu mesma não devia confiar em mim. Mesmo quando sentia fome, não me sentava à mesma... não queria agravar esse problema.
Com o tempo, entendi que deveria me afastar dos tratamentos convencionais ditos de saúde, caso quisesse de fato resolver meus problemas de "imagem corporal", pois eles eram consequência direta do entendimento errado que os médicos tinham de minha situação. Eu não tinha um problema, era apenas diferente. Para ficar em paz com meu corpo, tive que rejeitar tudo que eu conhecia até então.
Passei eu mesma a escolher meus médicos e a estabelecer firmes limites nessas relações. Dizia claramente: "não quero dietas, quero uma alimentação adequada". Assim fui aprendendo a amar meu corpo, minha flacidez, o jeito como meus músculos reagem aos movimentos. Abracei meus quilos a mais. E fiz isso porque me preocupo demais com meu corpo, com o relacionamento que construí com ele.
Quando estou na barra do balé, prestes a começar minha aula semanal, lembro-me de que, ainda que seja difícil, é importante que eu ame meu corpo. Que devo apreciar a graça dos meu movimentos. À medida em que começo a dançar, a saltar, percebo que há poder no meu corpo: minhas pernas são saudáveis e me empurram pra cima rapidamente, facilitando também o retorno.
Mesmo assim, ainda que eu tenha toda essa consciência, admito que tenho medo de ver, mesmo que de relance, algo feio no espelho. Até agora, no entanto, só vi meu corpo. Meu corpo curvilíneo, gordo, mais bonito.
Fonte: colunas.marieclaire.globo.com
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